O Povo de Deus, a Quarentena e o Culto ao Senhor
Por Daniel Simoncelos[1]
Introdução
Vivemos dias de Pandemia em nosso mundo. Até o dia 13 de abril de 2020, cerca de dois milhões de pessoas ao redor do planeta já foram infectados por um pequeno vírus (Covid-19), que segundo os dados, dobra a cada 11 dias[2], além de já ter matado cerca de 120 mil pessoas.[3] Um cenário assustador e nunca visto antes em nossa geração o que tem feito que dezenas de países entrem em quarentena. Apenas mercados, farmácias e locais de extrema necessidade permanecem funcionando. Para o povo de Deus há alguns temores: 1) os anciãos são os mais afetados pela doença que mata um percentual muito maior de idosos. 2) não podemos mais nos reunir por um período indeterminado, sem culto, sem comunhão presencial. 3) a crise econômica, desemprego e possibilidade de redução ou perda de recursos para a nossa subsistência.
História do Povo de Deus
Salomão, há cerca de três mil anos, já havia dito: “Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos que foram antes de nós”.[4] O que vivemos hoje não é novo. Já houveram pandemias muito piores e maiores. A Gripe Espanhola no início do século 20 ou mesmo a Peste Negra, no século XIV que ceifou mais de um terço da população europeia foram pandemias terríveis que geraram terror e um sentimento de que o mundo estava acabando. Hoje, nossa geração percebe que é pó e não está no controle da sua própria existência. Certamente, uma pandemia tem o poder de fazer que o homem seja mais humilde. Porém, e quanto à privação de cultuar ao Senhor, isso já aconteceu antes?
O homem foi criado para adorar. Deus colocou em nós o anseio pela eternidade e ninguém nasce ateu. Mesmo em tribos isoladas no mundo podemos perceber seu coração religioso adorando algo ou alguém. É certo que por causa do pecado, o homem não busca mais a Deus, mas cria ídolos para si e por isso não vemos verdadeira religião por parte do homem natural, mas apenas idolatria, seja em religiões primitivas, seja nas religiões consideradas mais “evoluídas” como o ateísmo, o marxismo ou mesmo o cientificismo, porém todas com crenças estabelecidas, “evangelistas” e “apologetas”. Por conta disso, temos cultos dos mais diversos em vários lugares.
O verdadeiro culto é aquele instituído pelo próprio Deus que nos traz por meio da Revelação da sua Palavra. O povo de Deus recebeu da parte do Senhor como deveria adorar. A princípio, o Tabernáculo é construído e a adoração a Yahweh era realizada ali, no deserto. Sacrifícios oferecidos para a remissão dos pecados, o sacerdócio levítico estabelecido como mediador entre Deus e o povo, e as festas ordenadas. Pelo menos três vezes ao ano o povo hebreu se apresentava diante do Senhor, no Tabernáculo para adora-lo, nunca de mãos vazias. Posteriormente, em Jerusalém, o Templo é construído por Salomão, e a cidade torna-se o local de adoração a Yahweh. Ali, pelo menos três vezes ao ano, o povo hebreu subia para a adoração ao Senhor levando seus sacrifícios para a remissão de seus pecados. No Dia da Expiação, o povo de Israel deveria não apenas apresentar sacrifício ao Senhor, mas afligir a sua alma com jejum. E todo aquele, que neste dia não afligisse a sua alma seria morto.[5] O povo de Deus poderia ir ao Templo com o intuito de orar ao Senhor e para oferecer sacrifícios para o perdão de pecados em outros momentos também. Diariamente isso era realizado por meio dos sacerdotes. Contudo, o povo de Israel ignorou os Estatutos do Senhor, caiu em idolatria, profanou o Culto ao Senhor e seus sacrifícios, tornou-se idólatra, voltando as costas para Yahweh. Eles continuavam cultuando ao Senhor, oferecendo sacrifícios e cumprindo todos os Estatutos, mas seu coração estava distante do Senhor. Eles ofereciam sacrifícios mas eram desobedientes, profanaram o Santuário do Deus Altíssimo e por isso Deus os privou da sua santa presença. Agora, o povo de Israel é exilado para a Babilônia. Eles ficam distantes do local de adoração. Não apenas isso, a cidade de Jerusalém é completamente destruída e o Templo do Senhor é reduzido a nada. Deus permite que aconteça fisicamente com a cidade e o Templo, o que já havia acontecido espiritualmente. Eles estavam mortos e o Templo era profanado, e agora podiam ver isso claramente.
Na Babilônia, agora longe do Templo, privados da adoração a Yahweh, eles se arrependem de seus pecados e voltam-se para o Senhor. Contudo, o período de exílio, conforme a profecia de Jeremias duraria cerca de setenta anos.[6]Eles agora têm uma nova língua, o aramaico ao invés do hebraico, e uma nova prática religiosa: a sinagoga. Como eles não podiam subir a Jerusalém para adorar, agora o sacrifício foi substituído pela leitura e exposição da Lei do Senhor, e as orações eram feitas voltadas para Jerusalém. Daniel, na Babilônia, orava três vezes ao dia[7] (nos horários dos sacrifícios e orações no Templo – hora terceira, hora sexta e hora nona), e com suas janelas voltadas para Jerusalém (cumprindo o que diz a Escritura em 2Crônicas 6.36-39). O povo de Deus estava privado do Culto a Yahweh, porém, nesse período se reuniam nas sinagogas para buscar a face do Senhor em oração, adoração e edificação por meio da leitura e exposição da Lei do Senhor. Contudo, isso não era suficiente, eles sabiam que isso não substituía o Culto, apenas amenizava a dor. Tanto, que alguns salmos são escritos durante o Exílio e nos mostram o sentimento do povo de Deus por estar privado do Culto: “Às margens dos rios da Babilônia, nós nos assentávamos e chorávamos, lembrando-nos de Sião… Como, porém, haveríamos de entoar o canto do SENHOR em terra estranha?”.[8] A adoração a Yahweh continuou mas não de forma plena, e o povo de Deus sabia disso. Seu anseio era pela restauração do Templo, e por isso temos a profecia de Ageu, Zacarias e Malaquias, além dos livros de Esdras e Neemias, enfatizando a necessidade do retorno do povo de Yahweh para Jerusalém e a restauração do Templo e Culto ao Senhor.
Com a vinda do Senhor Jesus, o que era sombra no Antigo Testamento é plenamente cumprido nele. Ele é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Nele cumpre-se todo sacerdócio levítico. Ele é o nosso Sumo-Sacerdote, Rei e Profeta. Em João 4.23-24 percebemos que não existe mais um local de adoração, mas um modo de adoração do povo de Deus. Neste caso ele não diz que o culto é individual, mas que não está atrelado a um local específico, agora, todos os confins da terra são locais de adoração a Yahweh. Todas as tribos, povos e raças são convocados a adorar onde quer que estejam. O Templo já não tem propósito, o templo do Senhor são os crentes, cada um uma pedra viva, fazendo parte da Igreja do Senhor Jesus Cristo. Em Atos temos o Culto sendo estabelecido pelos Apóstolos. Ensino apostólico, comunhão, mordomia cristã, orações e adoração a Deus (Atos 2.42-47). Isso sempre comunitariamente. A carta aos Hebreus nos enfatiza a necessidade de congregar e que o culto deve ser comunitário.[9] Porém, com a perseguição, a igreja passa a se reunir em casas e não mais no Templo e nas sinagogas. Os irmãos passam a se reunir às vezes até mesmo em cemitérios e locais escondidos, para não serem presos ou mesmo mortos. A ceia deixa de ser uma festa aberta e pública e torna-se mais silenciosa, porém com o mesmo impacto espiritual. Sempre pão e vinho, sempre comunitário. Em alguns momentos o batismo deixa de ser público e realiza-se em locais privados, por aspersão, na presença dos irmãos e do pastor. A igreja era perseguida, mas o culto continuava. A igreja nunca deixou de cultuar, mesmo em momentos de perseguição severa.
A História da Igreja Moderna
Hoje não vivemos dias de perseguição severa, mas o culto público está paralisado. A igreja, em muitos lugares, foi proibida de se reunir por estar em quarentena e impossibilitada da haver reuniões, nem com um número limitado de pessoas. Os dias de hoje não são como viveram os cristãos da igreja primitiva debaixo de perseguição, pois se fosse apenas isso, faríamos assim como eles: nos reuniríamos, em desobediência civil, pois nos importa antes obedecer a Deus do que aos homens. Hoje vivemos dias semelhantes ao do povo judeu na Babilônia em Exílio. Nossa quarentena se assemelha ao exílio. Estamos impossibilitados de realizar o culto público assim como eles. E assim como eles, temos buscado alternativas para adorar a Deus pois fomos criados para isso. A adoração, as orações e a pregação da Palavra de Yahweh não cessa. Eles criaram as sinagogas, e nós utilizamos a internet para a transmissão de cânticos de adoração, orações e pregação da Palavra de Deus, até mesmo os dízimos e ofertas por meio de transferência online. Quando terminou o exílio, muitos judeus não quiseram retornar para Jerusalém, estava cômodo permanecer na Babilônia. Da mesma forma, é possível que muitos se acostumem e se acomodem com as transmissões online e não queiram retornar ao Culto Público. Alguns já têm realizado “batismos” online e “ceias” virtuais. Porém, por mais que alguns queiram dizer que está tudo bem, e que é possível continuar a vida da mesma maneira que antes, isso não é verdade. Fomos privados do Culto Público, e somente nele temos a possibilidade de participar da Ceia do Senhor e do Batismo. Não existe ceia e batismo “virtual”. Nesse tempo, não devemos deixar de adorar, sim, devemos buscar todos os meios possíveis para amenizar nossa privação. O culto familiar é essencial em todo o tempo. As mensagens, louvores e orações por meio da internet são de grande valia e nos abençoam muito. Porém estamos privados da comunhão com os irmãos que não moram conosco e da participação na Ceia do Senhor (que só existe presencialmente). Nosso Culto Público cessou por um período de tempo. O que fazer? Reduzi-lo a nada e dizer que é possível substitui-lo pela banalização do virtual ou sentir a dor desse momento, nos arrependermos e voltarmos o nosso coração totalmente ao Senhor clamando para que ele abrevie esse tempo e permita que logo estejamos com os irmãos presencialmente novamente? Sim, é tempo de arrependimento, pano de saco e cinzas, jejum, uma volta ao Senhor para que nos purifique e nos reúna novamente, de volta à comunhão do Corpo. É tempo de valorizarmos novamente o Culto ao Senhor, a comunhão dos santos, a Santa Ceia e o Batismo. Não minimize isso.
[1] Daniel Simoncelos é pastor auxiliar na Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória e está plantando uma nova igreja em Vitória-ES. É formado em Economia na UFJF, pós-graduado em Estatística na UFJF, graduado em teologia no Seminário Presbiteriano JMC, mestre em teologia no Seminário Servo de Cristo e mestrando (STM) no CPAJ.
[2] No dia 01 de abril havia cerca de 1 milhão de infectados.
[3] https://www.otempo.com.br/coronavirus/casos-da-covid-19-passam-de-2-milhoes-no-mundo-e-dobram-em-apenas-11-dias-1.2324361
[4] Eclesiastes 1.10 (ARA).
[5] Levítico 23.29.
[6] Jeremias 25.11.
[7] Daniel 6.10.
[8] Salmo 137.1,4.
[9] Hebreus 10.25.
Deixe um comentário